Talvez nenhum outro esporte tenha uma relação tão forte com uma cultura como o basquete tem com o Hip-Hop. Seja na maneira dos atletas se vestirem, nas referências ao basquete vistas em diversos videoclipes, ou nos próprios atletas que se aventuraram na indústria musical, a química entre esses dois mundos é inegável. A referência ao esporte na cultura Hip-Hop se estende para além da música, sendo vista também no grafite, no breakdance e em tudo aquilo que faz parte deste universo.
Ainda que o Hip-Hop tenha nascido nos subúrbios de Nova York em meados dos anos 70, foi na década de 80 que essa relação começou. Não existe um responsável pelo nascimento desse duo. O que se sabe é que, por compartilharem dos mesmos espaços, aos poucos os símbolos de cada cultura começaram a se misturar. Os tênis saíram das quadras e foram parar nos pés dos artistas, os atletas começaram a se vestir como cantores e seus nomes eram cada vez mais citados nas músicas. Foi então, já nos anos 90, que um atleta seria responsável por concretizar a relação e dar um passo gigante, digno de um jogador de 2,16m, na história desse vínculo.
Não é à toa que Shaquille O’Neal é até hoje uma das caras do basketball, mesmo após se aposentar. Desde o começo de sua carreira, o atleta nascido em Newark mostrou que seria não só um grande jogador, mas também uma grande personalidade do esporte. No mesmo ano que foi escolhido no draft pelo Orlando Magic, Shaq fez uma aparição no icônico The Arsenio Hall Show ao lado dos Fu-Schnickens, trio de Hip-Hop com raízes estabelecidas no Brooklyn. O sucesso da apresentação garantiu um contrato de O’Neal com a gravadora Jive Records e, em 1993, o álbum Shaq Diesel chegou às lojas.
Em 1994 foi lançado seu segundo álbum, Shaq Fu: Da Return. Depois, o atleta lançaria mais três álbuns: You Can’t Stop the Reign (1996), Respect (1998) e Shaquille O’Neal Presents His Superfriends, Vol. 1 (2001). Ainda assim, mesmo que sua carreira como artista não se compare com sua trajetória no basquete (quatro títulos da NBA: 2000, 2001, 2002 e 2006), foi Shaq quem abriu o caminho para os atletas invadirem as gravadoras.
Antes mesmo do novo milênio, foi Kobe Bryant, um dos grandes parceiros de Shaquille O’Neal, que se arriscou no Hip-Hop. Kobe fez parte do grupo CHEIZAW, formado na Filadélfia enquanto o jogador ainda andava no secundário. Em 1998, quando Bryant fazia sua segunda temporada como profissional da NBA, o grupo assinou um contrato com a Sony e optou por lançar Kobe em carreira solo. A história conta que esse foi mais um dos exemplos da mentalidade inigualável que Kobe possuía. Kobe foi para Nova York e, enquanto treinava para a próxima temporada da NBA, também praticava o seu lado artístico. O resultado foi um remix da música “Hold Me”, de Brian McKnight, que alcançou o n°35 da Billboard.
O bom recebimento do público fez com que a Sony apostasse num álbum solo de Kobe, que acabou nunca saindo do papel. Em 2000, uma aparição no All-Star Game ao lado de Tyra Banks para apresentar o single “K.O.B.E” foi considerada desastrosa pelo público, e simbolizou o fim da carreira de Bryant como artista. Curiosamente, a partir daí Kobe iniciou sua conquista em massa de anéis (2000-2002, 2009 e 2010).
Após o fracasso de Kobe na música, foi Allen Iverson quem se lançou ao mundo artístico. Ainda no ano 2000, o atleta que já chocava a NBA pela maneira de se vestir apresentou um álbum que causaria muita polémica. David Stern, ex-comissário da NBA, falecido em 2020, afirmou que as letras de Iverson eram “grosseiras, ofensivas e anti-sociais”. Ainda foi debatido uma possível expulsão do atleta. Anos depois, em entrevista ao portal Complex, Allen Iverson afirmou: “Olhando para trás, é constrangedor quando penso em todas as crianças que poderiam acabar ouvindo todas as coisas que eu estava dizendo. Retratei alguém que obviamente não era.”
Após um longo período sem nenhum atleta ganhar destaque na cena Hip-Hop, foi Stephen Jackson – campeão da NBA pelo San Antonio Spurs em 2003 – quem lançou uma mixtape em 2012. Chamada “What’s A Lockout”, a produção trouxe novamente os holofotes para o potencial da dupla basketball e Hip-Hop. Se a carreira de Stephen Jackson na música não foi um sucesso, foi a sua tentativa que abriria portas para o surgimento de um atleta com uma trajetória de sucesso na música.
Damian Lillard dentro de campo e Dame D.O.L.L.A nos estúdios e palcos. Este talvez seja o primeiro exemplo de um atleta que conseguiu criar uma imagem distinta para sua carreira musical, que o separasse do jogador de basquete.
Após lançar uma série de músicas no SoundCloud em 2015, Lillard foi convidado para o “Sway In The Morning”, programa de rádio do jornalista e rapper Sway Calloway. Durante a entrevista, Lillard fez um improviso impressionante e deixou os fãs da NBA e de Hip-Hop extasiados com a ideia de um futuro álbum.
Um ano após essa entrevista era lançado o álbum “The Letter”, que contava com a participação de Lil Wayne e Jamie Foxx. O sucesso fez com que Dame D.O.L.L.A não somente produzisse outro álbum, mas também criasse sua própria gravadora, a Front Page Music.
Ainda que Damian Lillard seja o único atleta com uma carreira consolidada no Hip-Hop, uma participação sua no The Joe Budden Podcast criou uma briga entre o atleta e Shaquille O’Neal. Ao invés de reconhecer o fato de que O’Neal abriu o caminho para jogadores profissionais fazerem arte, Damian se preocupou mais em mostrar os motivos que fazem dele um artista mais completo que Shaq.
Polemicas à parte, é inegável que o trabalho de Dame D.O.L.L.A abre novos caminhos para atletas que querem entrar profissionalmente na cena do Hip-Hop. Também é inegável que esse duo de sucesso – basket e Hip-Hop – enriquece ainda mais os dois mundos e traz momentos memoráveis aos fãs. Afinal, quem não quer ver um ídolo saindo da quadra para participar de batalhas de rap e videoclipes?
Nós da Hoopers já tivemos o prazer em unir basket e Hip-Hop. Além de lançar uma quadra icônica em Chelas, tivemos a felicidade em fazer deste projeto o tema para o regresso de Sam The Kid aos seu primeiro grupo, os Official Nasty.